Imagens de um gato produzidas por um fóton que
nunca chegou a iluminar a matriz? Mágica? Não; física quântica. Uma extraordinária descoberta, feita por uma brasileira: Gabriela Barreto Lemos. Ela conseguiu provar o que não se pensava ser possível provar; algo Einstein classificou como “assustador”.
Reproduzimos a matéria a seguir:
Diga ‘xis’, gato de Schrödinger!
Técnica de fotografia quântica desenvolvida por
brasileira permite registrar imagens sem que a luz passe pelo objeto e pode ter
aplicações na medicina e na informática no futuro.
Imagine fotografar um objeto sem registrar qualquer luz
produzida ou refletida por ele – só mesmo a física quântica para possibilitar
essa foto 'fantasma', a partir de dois feixes de fótons entrelaçados
quanticamente.
Em geral, uma câmera fotográfica registra a luz que passa
por um objeto e chega à lente. Porém, um novo método de fotografar é capaz de
registrar imagens a partir de feixes de fótons que jamais tocaram o objeto
retratado. Estranho? Deveras, pelo menos do ponto de vista da ciência a que
estamos acostumados em nosso cotidiano. Mas o avanço está relacionado às
propriedades nada intuitivas da física quântica – mais especificamente ao
entrelaçamento ou emaranhamento quântico, uma possibilidade de conexão entre duas
partículas a ponto de qualquer coisa que aconteça a uma influenciar de imediato
a outra.
O trabalho, liderado pela física brasileira Gabriela
Barreto Lemos, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro que
atualmente faz pós-doutorado na Academia Austríaca de Ciências, em Viena,
utilizou dois feixes de fótons gêmeos, os seja, entrelaçados quanticamente.
Eles foram produzidos pela interação de um laser com um cristal não
linear e apresentavam comprimentos de onda distintos: 1.550 nm e 810 nm.
Cada um foi enviado numa direção diferente: o de 1.550 nm
atravessou objetos reais e depois foi descartado (ou seja, não foi coletado por
nenhum sensor). O outro percorreu um circuito livre e depois foi coletado.
Apesar de não ter tido contato com qualquer objeto, ele registrou o objeto que
o ‘irmão’ havia atravessado. No total, foram três pequenas figuras
‘fotografadas’: um pedacinho de cartolina com um recorte em forma de gato, uma
lâmina de silício também com uma imagem de gato gravada e uma placa de vidro
com uma imagem da letra grega ‘pi’.
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Foto: Lois Lammerhuber |
O método utilizou um laser verde (A), para criar dois
feixes de fótons com frequências diferentes. O de 1.550 nm (vermelho) atravessa
o objeto (B) e depois é descartado (C), enquanto o de 810 nm (amarelo) nunca
passa pelo objeto, mas registra a imagem ao ser coletado pelo receptor (D).
Vale explicar antes que se passe a ideia errada: não,
caro leitor, Lemos não é aficionada por felinos. Mas gosta de homenagear
aqueles que a precederam: a imagem do gato é uma bem-humorada referência ao
físico austríaco Erwin Schrödinger, um dos grandes estudiosos dos sistemas
quânticos e da natureza quântica da matéria – a analogia do ‘gato de
Schrödinger’ talvez seja o experimento mental mais conhecido para explicar
essa natureza. “Tive a ideia de homenageá-lo por que suas descobertas sobre
superposição, fenômeno ilustrado pelo paradoxo do gato, é um dos
elementos-chave do nosso experimento”, conta a brasileira.
Possibilidades quânticas
Embora seja mais uma importante comprovação do estranho
emaranhamento quântico, o experimento de Lemos, descrito na semana passada na revista Nature,
não se restringe ao campo teórico. Isso porque câmeras sensíveis a baixos
níveis de luz infravermelha, como 1.550 nm, são muito caras e difíceis de
conseguir comercialmente, diferentemente de detectores e câmeras para 810 nm,
bastante acessíveis. “Ao utilizar os dois comprimentos de onda, demonstramos a
possibilidade de ‘iluminar’ com um deles, para o qual não é trivial encontrar
um detector, e fazer o registro com o outro”, diz.
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Imagem: Gabriela Barreto Lemos |
Por meio da nova técnica, os pesquisadores registraram
imagens de um gato recortado em um pedaço de cartolina e outro gravado em uma
placa de silício, em referência ao ‘gato de Schrödinger’, analogia criada para
explicar a natureza quântica da matéria.
Os materiais utilizados também ajudam a antever
possibilidades de aplicação real. “O silício é opaco quando iluminado com uma
luz de 810 nm e o vidro seria ‘invisível’ nessa frequência, mas os dois puderam
ser registrados quando atravessados pelo feixe de 1.550 nm”, conta a física. “A
técnica permitiu registrar a imagem de um objeto opaco e de outro invisível ao
comprimento de onda de detecção (810 nm) – e utilizando uma câmera que é cega
ao comprimento de onda que ilumina o objeto (1.550 nm).”
Suas aplicações poderão ser muitas no futuro, da medicina à computação quântica. “Patenteamos esse método de imagem quântica e vamos desenvolver protótipos para laboratórios de biologia e diagnóstico de tecido”, diz. “Nessa área, muitas vezes o comprimento de onda ideal para iluminar uma amostra é grande – infravermelho – e a amostra é delicada, não pode receber luz forte – e baixos níveis de luz no infravermelho são uma combinação cara e difícil para câmeras.”
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A cientista Gabriela, no seu "habitat" |
A pesquisadora também vem trabalhando em outro
experimento ligado à computação quântica. “Na verdade, é isso que eu estou
investigando agora”, revela Lemos, animada. “Estamos montando uma experiência
similar para explorar aplicações desse fenômeno na informação e computação
quântica e espero poder dar mais detalhes dentro de um ano”, conclui,
misteriosa. Esperemos, então, por novos avanços quânticos, com uma certeza em
mente: o que está por vir provavelmente desafiará o senso comum.
Marcelo Garcia - Ciência Hoje On-line
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